sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A formatura do Juninho

Daniel Resende Lopes é um músico, regente, cantor vindo ali de Conselheiro Lafaiete, que, como cantor, chegou ao Madrigale lá pelos idos de 2010, com uma ligeira verve de mineirinho vindo do interior e dono de uma prosa toda sua, daquele tipo que nós mineiros chamamos de “todo prosa”... Numa troca de e-mails ele quase se indispôs, de cara, com o maestro, um típico sinal de que o rapaz não estava para brincadeiras!

E lá foi o tempo passando e ele se aquietou um pouco, mas não sem encher de vida o seu naipe de tenor, se aproximando dos mais velhos e merecendo com o tempo o apelido de “Juninho”. E não pensem que o codinome se deu pelo fato de ele ser um ser de pouca idade, mas tão somente por ser visto como o regente “júnior”. Pois é, não bastasse a bela voz o rapaz tem pendores maestrísticos!!! Pobre rapaz, herdeiro de um carma.

Passados esses anos, aqui estamos às vésperas de sua formatura na classe de canto da Escola de Música da UFMG. Amanhã, às 16:00, estaremos lá prontos para cantar com ele e darmos aquele bom empurrão nessa hora de emoção e de abertura de todas as perspectivas do mundo.


Meu caro Daniel Juninho, eu sei que posso falar aqui em nome de todos os cantores do Madrigale, torcemos pelo seu sucesso na vida musical. Que venha tudo de melhor para você, pois sabemos que sua relação com a música vai para além da simples produção de sons. Que a missão do Madrigale seja também a sua missão ao longo da vida, ou seja, emocione sempre, começando pelo que fará no dia de amanhã. Nossa confiança em você é plena, saiba disso, e estaremos lá para gritar: VIVA O JUNINHO!!!









Pós-Missa no Carmelo


Cantar no Carmelo é sair um pouco do tempo presente e mergulhar em um mundo específico, distante temporalmente do que vivemos. Ver as irmãs depois de alguns anos é sentir proteção, apesar da distância física. Os olhos delas são sempre diretos, sem fugas, nos mirando e expressando uma profunda felicidade com o nosso retorno. E para uma proximidade com esse sorriso - sem pagas, sem afetações, sem fingimentos - vale o acotovelamento, no final, para se chegar perto delas...

Cantar por e para elas é ter a certeza de que a música feita é sempre funcional, escolhida a dedo por elas mesmas, cantada em bom e severo latim, porque elas são musicistas e sabem muito bem o que escolhem e o que querem ouvir. Mas trata-se de uma severidade que não se encontra nas nossas reservas estéticas de músicos profissionais, mas, sim, na busca diferenciada pelo mistério da celebração e da fé.

Na simplicidade funcional, um Kyrie não é uma estrutura ABA, mas o “Senhor, tende piedade de nós”, que é dito três vezes, alternado com o “Cristo, tende piedade de nós”, mais três vezes, e a repetição do primeiro. E que não nos percamos na interpretação de todas as outras partes da missa, cada uma com sua especificidade: de “glorificação”, de “profissão de fé”, de “alegria plena” e, assim, vamos na constituição do ritual pleno da missa católica.


Mas, então, o Madrigale (e o maestro) é um coro católico? Tão católico quanto protestante na vivência da especificidade da interpretação dos Negro spirituals ou das Cantatas e Paixões de Bach... Belo mesmo é a vivência da música funcional, tão diferente da sua existência quando nas salas de concertos...

(Fotos: Ana Cristina Pimenta)
















quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Missa em si bemol, de José Maurício Nunes Garcia


O padre José Maurício foi o principal músico brasileiro do princípio do século XIX. Escreveu a Missa em si bemol, a três vozes, no ano de 1801 e há uma dúvida se a mesma teria sido construída para essa formação mais simples ou se a parte mais grave, de baixos, se perdeu. Conhecendo e estudando a peça há anos, não creio nessa hipótese de falta de uma parte, pois a integridade da obra em nada é afetada com a inexistência de mais uma voz de coro.

Diferentemente de outras obras maiores, como a Missa Santa Cecília, a Missa em si bemol, que bem poderia ser chamada de Missa Pequena ou Missa Brevis tem em si uma singeleza e uma leveza que chamam a atenção já na execução do Kyrie, o que transparece uma intenção do compositor em construir uma peça musical que estivesse de acordo com um pensamento introspectivo e terno. Solos expressivos de soprano e contralto nos remetem ao ambiente de oração íntima, mais do que aos aspectos exuberantes de outras missas solenes. Apesar de ter sido escrita para pequena orquestra, há uma redução para órgão ou harmônio realizada pelo Pe. René-Maria Brighenti e editada pela Editora Vozes, de Petrópolis. Essa será a que usaremos na missa de amanhã, no Carmelo de Belo Horizonte. Como essa partitura é, hoje, difícil de ser conseguida, fiz uma cópia que coloco à disposição de quem quiser. Basta enviar e-mail para madrigale@madrigale.com.br que retornarei com o material em pdf.

Lembrando: Missa Solene no Carmelo de BH (Rua Desembargador Tinoco, 322 - Bairro Monsenhor Messias - Belo Horizonte), 8h30, 15/10/2015. Um Madrigale reduzido se apresentará (por falta de espaço na Capela) sendo solistas Carolina Claret e Indaiara Patrocínio (sopranos), Mariana Redd (contralto) e Hendrigo del Freitas (tenor).

Carolina Claret

Hendrigo del Freitas

Indaiara Patrocínio

Mariana Redd

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Missa no Carmelo de BH


Diferentemente de outros anos, o Madrigale, a meu pedido, deixou de se apresentar por um período de três meses. Como tive que me dedicar ao término do doutorado, me concentrei exclusivamente nas apresentações do coro e não pude cuidar tanto da manutenção das condições técnicas do conjunto. De volta aos trabalhos normais, nada melhor do que um tempo de “aperto de parafusos”.

Retomaremos nossas apresentações na próxima quinta-feira, dia 15 de outubro, na Capela do Carmelo de Belo Horizonte, às 8h30. Cantaremos uma missa solene comemorativa dos 500 anos de nascimento de Santa Tereza: tão importante para as queridas irmãs carmelitas.
O porquê disso: fui um Menino Cantor, criado nas fileiras do Coral Dom Silvério de Sete Lagoas. Lá pelos meus 14 anos, quando solista soprano desse coro, cantamos em uma celebração de consagração de uma irmãzinha, numa cerimônia tocante e que muito me impressionou pelo amor que todas as irmãs tinham pela música que nós executávamos. Anos depois, já à frente do Madrigale, fui chamado pela Irmã Cecília que celebrava os seus 25 anos de consagração. Qual não foi minha surpresa ao constatar, revendo-a, que se tratava da mesma irmã, que - naquela ocasião - comemorava vários anos de dedicação ao serviço de oração.

Agora, mais uma vez, fomos chamados a uma participação com nossas vozes numa cerimônia de importância primordial para essas que oram por nós sempre. Sim, são madrinhas espirituais do Madrigale e minhas madrinhas também.
Se quiserem participar conosco, estejam lá, mas com paciência, pois a capela é pequena e não sabemos se haverá assentos para todos. Garanto àqueles que participarem o sentimento de devoção e emoção nessa cerimônia. 


Amanhã, falarei do que cantaremos: a Missa em si bemol, do Padre José Maurício Nunes Garcia.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Morten Lauridsen - Sure on this shining night


Outro dos bons compositores corais do nosso tempo é Morten Johannes Lauridsen. Nascido em 27/02/1943, é um compositor americano, de descendência dinamarquesa. Foi compositor residente do Los Angeles Master Chorale, de 1994 a 2001, e é professor de composição há 40 anos na Universidade do Sul da Califórnia (Thornton School of Music). 

Extremamente dedicado à musica coral, tem várias obras cantadas por coros de todo o mundo. Perceberão uma flutuação em suas peças, o que pode ser erroneamente entendido como uma relação com a tristeza. Lauridsen, pelo contrário, entende sua música como uma reprodução do misterioso, do sagrado, do silencioso e do místico que está na natureza e que nos envolve. Sua relação com o mundo se faz pela observação daquilo que está para além da grande movimentação urbana, daquilo que se aproxima do isolamento. Um asceta musical? Próximo a isso. 

Dentre suas peças, a minha preferida é a bela Sure on this shining night, a qual eu sugiro a gravação abaixo. Mas não deixem de ouvir outra peça referencial: O Magnum Mysterium.




Coro Madrigale
Pianista: Patrícia Valadão

Sure on this shining night
Of star-made shadows round
Kindness must watch for me
This side the ground
The late year lies down the north,
All is healed, all is health
High summer holds the earth,
Hearts all whole
Sure on this shining night
I weep for wonder
Wandr’ing far alone
Of shadows on the stars.
James Agee (1909-1955) - “Descrição do Elísio”, de Permit Me Voyage, stanzas 6-8, 1934.
Tradução:

Certeza absoluta nesta noite brilhante
com algumas sombras ao redor das estrelas
é que ela indulgente lembre-se de mim
encravado neste lado de chão
o último ano já migrou para o Norte
e tudo se curou e ficou saudável
o Verão alto mantém a terra
e bem íntegros os corações
com certeza nesta noite brilhante,
admirado, eu choro ao vagar solitário
e bem distante das sombras das estrelas

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Hino ao Criador da Luz – John Rutter


Dos compositores modernos que se dedicam à música coral, dois são muito conhecidos dos estudiosos desse repertório específico: John Rutter e Eric Whitacre. Nos próximos dias, mostrarei, além dos dois, mais alguns nomes importantes da composição coral (pouco comentados, infelizmente, por tratarem desse instrumento injustiçado: o coro).
John Rutter (1945-) é o mais conhecido dos compositores britânicos de música coral da atualidade. Mesmo se você pensa que não conhece a música dele, as chances de já ter ouvido ao menos uma de suas peças sacras – Jesus child, Nativity Carol, Mary’s Lullaby, Magnificat ou The Lord bless you and keep you – são grandes, pois são marcos da música coral nas redes sociais.
Esta peça, para duplo coro a quatro vozes, foi escrita para os coros da Catedral de Gloucester, Hereford and Worcester, em 1992. Bem diferente de uma linguagem posterior, mais conservadora, adotada por ele, o início da peça evoca um emaranhado harmônico que pode afugentar alguns ouvidos adeptos das harmonias convencionais e tonais. Não façam isso!!! Prossigam na audição e observem a condução, intencionada, por ele a um hino sacro alemão do século XVII.

Hino ao Criador da Luz
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da luz visível,
Raio do sol, a chama de fogo;
Criador também da luz invisível e intelectual:
Aquilo que é conhecido de Deus, a luz invisível.
Glória a ti, ó Senhor, glória seja para ti,
Criador da Luz.
Para os escritos da lei, glória seja para ti:
Para os oráculos dos profetas, glória seja para ti:
Para a melodia de salmos, glória seja para ti:
Para a sabedoria dos provérbios, glória seja para ti:
experiência de histórias, glória seja para ti:
uma luz que nunca se põe.
Deus é o Senhor, quem mostrou-nos luz.
(Lancelot Andrewes, 1555-1626, tradução: Alexander Whyte.)

Luz, que fazes com que minha alma ilumine;
Sol, que fazes com que toda a minha vida brilhe;
Alegria, o homem mais doce fazes conhecer;
Fonte, de onde todo o meu ser emana.
Do teu banquete, deixe-me medir,
Senhor, quão vasto e profundo é o seu tesouro;
Através dos presentes que aqui nos dás,
Assim como teus convidados no céu nos recebas.

 (J. Franck, 1618-77, tr. Catherine Winkworth)


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Super flumina Babylonis - Palestrina

Ao retomar o semestre, saído da solidão reflexiva do doutorado, tomei como ponto de partida, e de recolocação mundana, a tarefa árdua e prazerosa de trabalhar os coros que rejo em aspectos técnicos que são essenciais para a qualidade deles (em coros, parafusos devem ser apertados eventualmente, sob risco de perdermos a disciplina do ritmo, da afinação, da harmonia e do equilíbrio). No meu caso, prefiro sempre trabalhar pontos específicos com peças referenciais. Sem entrar nos segredos do que está defasado em algum dos coros, uma das peças de referência do semestre, para os trabalhos com o Madrigale, é o moteto Super flumina Babylonis, do compositor italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), ou, simplesmente, Palestrina. Essa peça é especial para mim por remeter aos meus tempos de menino cantor, além de mostrar a dramaticidade atingida na alta Renascença por esse grande compositor.

Um moteto é uma composição coral que não existe sem um texto para lhe dar forma. Os temas musicais, geralmente curtos na Renascença, mudam à medida em que as frases textuais se modificam. Então, não tentem ouvir um moteto procurando similaridades entre uma parte e outra.  O texto do Super flumina são os versículos 1 e 2 do Salmo 136, que fala do exílio do povo hebreu na Babilônia e seu sofrimento quando se lembravam da terra natal:

‘Às margens dos rios da Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas.’